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Representação da artista contemporânea japonesa Yayoi Kusama em vitrine de loja parisiense da Louis Vuitton
Representação da artista contemporânea japonesa Yayoi Kusama em vitrine de loja parisiense da Louis Vuitton

Sociólogo investiga as relações entre grandes conglomerados do mercado de luxo e artistas contemporâneos

Performance Moinhos de Vento-Windmill, realizada em Paris em agosto de 2021: a obra, concebida pelo artista brasileiro Paulo Nazareth, pertence ao acervo da Pinault Collection
Performance Moinhos de Vento-Windmill, realizada em Paris em agosto de 2021: a obra, concebida pelo artista brasileiro Paulo Nazareth, pertence ao acervo da Pinault Collection

Pontes simbólicas

São essas estratégias que Figueredo nomeia na tese como pontes simbólicas, que consistem em elementos articuladores da conexão entre dois territórios não necessariamente semelhantes. “A arte para o universo do luxo, pensando o luxo em termos comerciais, funciona como uma ponte, conectando o mundo das commodities a um território outro, mais simbolicamente elevado, com implicações diretas para os produtos.”

O projeto Dior Lady Art, do grupo LVMH, é um exemplo de ponte simbólica. O grupo convida diferentes artistas para reimaginar um clássico modelo de bolsa Dior, cujo valor pode saltar de cerca de 1.200 euros para 60 mil euros. “Não há nada, de uma perspectiva puramente marxiana, que explique essa diferença de valor: o material utilizado é praticamente o mesmo, assim como o é o tempo gasto na confecção e montagem dessas peças. O que explica essa diferença de valor é uma matemática de ordem simbólica, uma transformação de cunho ontológico”, diz o sociólogo.

Nessa iniciativa, o artista é inserido na cadeia produtiva, como um “operário do luxo”. “Com o seu capital simbólico construído no campo da arte, o artista transmuda narrativamente a qualidade desse objeto, e será esse ‘excesso de capital artístico’ que justifica o valor financeiro elevado. Trata-se de algo bastante estratégico.” O objeto deixa de ser uma imitação ou uma estampa reproduzida e passa a ser uma obra desenvolvida pelo artista na temporalidade do luxo. São convidados desde grandes artistas até aqueles em posições intermediárias, mas nunca aqueles completamente desconhecidos nesse campo.

O sociólogo Henrique Grimaldi Figueredo, autor da tese: “O sistema capitalista de algum modo percebe que é possível mercantilizar todos os elementos”
O sociólogo Henrique Grimaldi Figueredo, autor da tese: “O sistema capitalista de algum modo percebe que é possível mercantilizar todos os elementos”

Arte ou mercadoria?

Para o artista norte-americano Richard Prince, que fez uma linha de bolsas para a Louis Vuitton, não há diferença entre pintar um quadro ou pintar uma bolsa. Segundo Figueredo, Prince afirma se divertir quando alguém lhe diz: “Adoro as suas bolsas”. O artista entende que a arte está na forma como ele aborda o objeto, mesmo que aquele objeto seja comercializado.

“Essa questão sobre se é arte, se é moda ou se é mercadoria, eu acho muito difícil de responder, porque ela vai ser disputada por diferentes linhas. Os historiadores vão falar uma coisa e os sociólogos e os antropólogos, outra. Eu acho que não precisamos responder [essa questão]. Basta apenas apontar os caminhos e descaminhos da coisa.”

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Modelo com vestido Mondrian, criação do estilista Yves Saint Laurent, um dos precursores na utilização de referências artísticas no mundo da moda

Linha do tempo

O primeiro grande conglomerado de artigos de luxo surge em 1987, o Louis Vuitton Moët Hennessy, formado pela fusão inicial dos grupos Moët & Chandon e Hennessy e, só depois, dessa empresa com a Louis Vuitton, que até 1997 só fabricava malas e bolsas. O estilista norte-americano Marc Jacobs criou a primeira coleção de prêt-à-porter da LVMH. Hoje esse é o maior conglomerado de luxo em número de marcas do mundo, com o maior guarda-chuva: 75 marcas. O Kering Group foi formado em 1999 e está associado ao megacolecionador François Pinault, CEO do Kering e sócio majoritário da Christie’s, segunda maior casa de leilões do planeta.

Figueredo faz uma análise dos contratos da LVMH com os atores criativos, de 1988 a 2017, para ilustrar a forma como o luxo vai se aproximando dos artistas e empregando suas criações na requalificação dos produtos, das lojas, das passarelas. Em 1988, apenas um ano depois da formação do grupo, ocorre a primeira grande colaboração com os artistas: comissionam-se obras de cinco grandes nomes da arte contemporânea para estampar lenços.

Além das exposições, os museus remodelados passaram a ser espaços também de entretenimento, abrigando eventos superexclusivos do universo do luxo. “Essa é uma forma de requalificar o próprio estilo de vida, reafirmar a diferença e criar um lugar de performance”, explica o pesquisador. “O fenômeno está muito mais associado a uma temporalidade do consumo, mas que não pode ser banal.” Com o tempo, o luxo e a arte, que antes apenas se tangenciavam, passam a experimentar uma espécie de sobreposição, conclui Figueredo.

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