IMERSÃO POÉTICA
Realidade virtual na sala de aula
potencializa aprendizado da poesia
Realidade virtual na sala de aula potencializa aprendizado da poesia
Ao colocar virtualmente o corpo do aluno dentro da cena de um poema, permitindo-lhe ter diferentes sensações, a pesquisadora na área de linguística aplicada Rita de Fátima Rodrigues Guimarães conseguiu alimentar o interesse de estudantes de sexta e sétima séries pelo estudo da poesia e pela produção textual de poemas. A proposta pedagógica feita por Guimarães, em sua tese de doutorado, levou para dentro da sala de aula um ambiente imersivo de realidade virtual (RV) por meio da execução em smartphone de um software que ela desenvolveu e que pode ser experimentado por meio de modelos de óculos de baixo custo, do tipo Google cardboard. A conclusão da pesquisadora é que a poesia não apenas sobrevive às mídias imersivas como pode se tornar até mais atraente.
“Foi o poema ‘Canção do Exílio’, de Gonçalves Dias, que me levou à primeira reflexão sobre a possibilidade de criar um ambiente de RV que pudesse representar a terra exaltada pelo eu lírico [da obra]”, descreve Guimarães, que desenvolveu seu doutorado no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp sob orientação da professora Inês Signorini.
A pesquisadora identificou como elo da poesia com a RV o trânsito entre imaginação e realidade. Da mesma forma que um poema permite imersão e compreensão pelo que tem de concreto e pelo que tem de abstrato, a RV também permeia o real e o imaginário, o tangível e o intangível. Na leitura de uma obra literária, afirma, o leitor pode se sentir imerso, imaginando cenários e personagens.
Foi a partir desse elo que Guimarães viu a possibilidade de lançar mão de mídias imersivas para aproximar os alunos do ensino fundamental II do estudo de poemas, no ambiente escolar. A pesquisadora já tinha conhecimento da combinação dessas mídias com a educação para o ensino das ciências duras (física, química, biologia, geologia, astronomia e botânica), mas, nos estudos da linguagem e com a poesia, isso representava uma novidade. Sua proposta pedagógica abrangeu 30 alunos de uma escola particular de Campo Limpo Paulista (Jundiaí) e consistiu em atividades de leitura, escrita e interpretação, intercaladas pelo uso dos óculos de RV.
Utilizado no experimento de modo pontual e com curta duração, o modelo dos óculos custa cerca de R$ 15 e está disponível no mercado. Ele tem o formato de uma “caixinha” de papelão fechada por velcro que contém duas lentes. O smartphone é colocado na parte frontal dos óculos e executa apenas a aplicação de RV por meio do software desenvolvido na pesquisa. Guimarães lembra que hoje, em todo o mundo, discute-se a permissão do uso de smartphones por crianças, inclusive nas escolas.
Para a pesquisadora, que possui licenciatura em letras e é engenheira de computação, o estudo e a escrita de poemas são muito importantes para o exercício da criatividade e da imaginação dos alunos. Ela iniciou suas pesquisas sobre poemas e mídias imersivas no IEL, com um mestrado sobre a produção de material multimidiático para a leitura de poemas e realidade aumentada (RA). Naquela época, em 2016, disseminava-se o uso da RA no jogo Pokémon, uma febre mundial em que personagens virtuais apareciam em cenários reais. Depois, em 2019, houve um apelo marcado à RV nas artes visuais, como na iniciativa do Museu do Louvre, em Paris (França), que criou cenários imersivos para a tela “Mona Lisa”, de Leonardo da Vinci, disponibilizando óculos de RV aos visitantes. Nesses e em outros exemplos, a pesquisadora buscou inspiração para dar aula sobre obras líricas nas escolas.
Sua pesquisa de doutorado faz parte de um projeto temático da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), intitulado “Aprendizes universitários em práticas contemporâneas de letramento acadêmico-científico para formação de professores e pesquisadores globalizados”, sob coordenação de Signorini e do qual participam, além da Unicamp, a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Novas gerações
Na avaliação da pesquisadora, a tecnologia de RV oferece ao professor uma ferramenta de apoio que, por meio de simulações, permite a visualização de lugares e de outras realidades talvez indisponíveis para os alunos em seu cotidiano, aproximando-os de outros contextos. “Acreditamos que essa pesquisa permite compreender as potencialidades dos poemas na formação dos alunos”, afirma Guimarães.
Um dos desafios no ensino de poesia no ensino fundamental II, de acordo com o estudo, está no fato de os textos literários disputarem lugar com outros textos nesse período escolar. “Estudos sobre o ensino de literatura mostram o declínio dos gêneros da literatura oralizada depois do fundamental I e a pesquisa mostrou pouca motivação dos alunos participantes para a leitura de poemas antes da aplicação da proposta didática”, diz Guimarães.
A pesquisa qualitativa explora ainda os papeis do professor em sala de aula, além dos novos modos de ensino e aprendizagem com o uso da tecnologia, no caso a RV. Para Signorini, a principal contribuição da tese dá-se na formação de futuros professores, porque a aplicação da proposta pedagógica depende da atuação do professor, que faz a mediação e tira as dúvidas. “Os alunos conseguem transitar entre essas duas realidades sob a orientação do professor”, diz a professora.
A experiência do aprendizado na realidade virtual proposta por Guimarães é uma atividade conjunta, a ser realizada em sala de aula, mas cada aluno faz seu percurso de exploração enquanto visualiza o cenário do poema por meio dos óculos. A locomoção do aluno no cenário é possível pelo movimento de seu corpo e cabeça, que levam um cursor até os links em formato de estrela presentes no cenário. Ele tem, portanto, autonomia de explorar o ambiente virtual, onde existem estações de parada. A maior parte dos alunos conhecia a tecnologia por conta dos jogos eletrônicos e alguns disseram não imaginar aprender conteúdo escolar com esses óculos.
“Os poemas têm potencial para tratar de temas diversos. Com ‘Canção do Exílio’, que é do século XIX, explorei a temática contemporânea das migrações. Eles mencionaram a saudade, as partidas e as chegadas e também relacionaram [a obra] à guerra entre a Ucrânia e a Rússia. Alguns identificaram ali situações de família, como de avós que saíram, por exemplo, do Nordeste para vir até São Paulo”, descreve a pesquisadora.