Estudo realizado pela Faculdade de Ciências Médicas analisa a eficácia de droga usada no controle do diabetes
O Brasil tem cerca de 150 mil pessoas em diálise, segundo dados do Censo Brasileiro de Diálise de 2021, elaborado pela Sociedade Brasileira de Nefrologia. A insuficiência renal pode desencadear uma série de problemas no organismo, com uma taxa de mortalidade ao ano que pode chegar a 20% – doenças cardiovasculares são a principal causa de morte. A busca por tratamentos que aumentem o tempo e a qualidade de vida desses pacientes é o foco de pesquisadores de diversas áreas da medicina. Uma pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp abre um caminho importante para o tratamento de pacientes em diálise. Testes realizados por pesquisadores da unidade atestaram a segurança do uso da dapagliflozina, medicamento utilizado no controle do diabetes tipo 2 e que traz benefícios cardiovasculares e renais, para pacientes em diálise.
Depois da descoberta, novas etapas do estudo já foram iniciadas, agora para analisar se a droga traz benefícios cardiovasculares também para pacientes em diálise. O estudo, que foi publicado no Clinical Journal of the American Society of Nephrology (CJASN) e integra a pesquisa de doutorado do médico formado pela Unicamp Joaquim Barreto, foi realizado em parceria com pesquisadores do Laboratório de Biologia Vascular e Aterosclerose (Aterolab), do Laboratório para o Estudo Mineral e Ósseo em Nefrologia (Lemon) e do Centro de Informação e Assistência Toxicológica (Ciatox).
“Nosso estudo, de forma inédita, demonstra que a dapagliflozina pode ser utilizada com segurança em pacientes em diálise. Esse é o primeiro passo para prosseguirmos com a investigação quanto a seu benefício acerca da ocorrência de eventos cardiovasculares e renais em uma população, até então, excluída dos grandes estudos”, explica Barreto, reforçando a importância da pesquisa. “Ainda não havia estudos que oferecessem uma forma responsável de ministrar esse medicamento a pacientes em diálise. Precisávamos ter certeza de que a dapagliflozina não faria mal a eles. Agora, nós dispomos desse dado”, comenta o professor Andrei Sposito, coordenador do Aterolab.
Benefícios
As gliflozinas compreendem uma classe de medicamentos que atuam como inibidores dos cotransportadores de sódio-glicose tipo 2, conhecidos pela sigla SGLT2. Esses cotransportadores estão presentes no túbulo proximal dos néfrons e são responsáveis pela reabsorção da glicose filtrada pelos rins e que retornará ao sangue. Com a inibição do SGLT2, a glicose não é reabsorvida, sendo eliminada pela urina, o que torna seu uso positivo no controle do diabetes tipo 2. “Inicialmente utilizada para o controle da glicemia, essa medicação, segundo estudos, é capaz de reduzir o risco de morte, insuficiência cardíaca, infarto e AVC, independentemente da presença de diabetes. Com isso, seu uso tem sido ampliado para outras condições de alto risco cardiovascular, entre as quais a doença renal dialítica”, detalha Barreto.
A pesquisa do doutorando configura-se como um estudo de segurança. “Precisávamos verificar se a diálise não retiraria a dapagliflozina da circulação sanguínea, se a droga não seria filtrada pelo procedimento. Outra preocupação era se, caso não fosse filtrado na diálise, o medicamento se acumularia no organismo, tornando-se tóxico”, esclarece Barreto.
O estudo foi realizado com 14 pacientes, dos quais sete com doença renal em diálise e sete com diabetes, mas com a função renal normal. Os participantes receberam 10 mg de dapagliflozina via oral imediatamente antes do início da sessão de diálise e tiveram amostras de sangue e do dialisato (fluido utilizado no procedimento) coletados a cada 30 minutos. Por meio da comparação dos materiais de pacientes dialíticos com os do grupo de controle, foi possível concluir que o efeito da dapagliflozina no organismo não é prejudicado pela diálise.
Em um segundo protocolo, os pacientes passaram pelo mesmo procedimento após terem recebido doses diárias de dapagliflozina por sete dias. Pela análise das curvas de concentração, descobriu-se que a quantidade de droga presente no organismo tanto dos pacientes dialíticos como daqueles que não apresentam doença renal crônica caía ao longo do tempo, indicando que a substância era metabolizada sem gerar acúmulos potencialmente tóxicos. Com isso, foi possível concluir que o comportamento farmacológico da dapagliflozina é semelhante tanto em pacientes que fazem diálise como naqueles com função renal normal.
Salvando vidas
Dando continuidade à sua pesquisa, Barreto tem em vista novos objetivos. “Agora que sabemos que ela [a dapagliflozina] é segura, queremos verificar se é eficaz”, explica. O grupo já desenvolve um novo protocolo de testes com 80 pacientes que realizam diálise. Ao longo de seis meses, metade deles receberá a droga e passará por avaliações cardiológicas completas e, no início e no fim desse período, por análises do metabolismo ósseo mineral. “Se a dapagliflozina puder reduzir o número de casos de doenças cardiovasculares nessa população, irá revolucionar a sobrevida desses pacientes”, avalia o professor Rodrigo Bueno de Oliveira, que coordena o Lemon.
Para além dos benefícios cardiovasculares e renais, novos estudos investigam outras propriedades positivas do medicamento no organismo, como o potencial de reduzir a pressão arterial, a massa corporal e o ritmo de progressão de doenças renais. Segundo os pesquisadores, o experimento com pacientes em diálise soma-se a esses estudos, ampliando as perspectivas de vida de uma população com comprometimentos importantes. “As gliflozinas surpreenderam a comunidade científica ao mostrarem resultados inesperados na redução de morte cardiovascular e no retardo da progressão da doença renal crônica, em uma dimensão que não era vista havia 30 anos. Nosso trabalho dá bases farmacológicas a novos estudos para seu uso em pacientes com insuficiência renal”, destaca Oliveira.