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Mario de Andrade ao piano
Mário de Andrade (1893-1945)

A música erudita, por Mário de Andrade

Livro resgata e analisa artigos escritos pelo intelectual entre 1943 e 1945

O livro Música Final, de Jorge Coli, reúne artigos de Mário de Andrade sobre grandes compositores e peças da música erudita. Esses trabalhos, agora reproduzidos e analisados, foram publicados semanalmente, entre 1943 e 1945, no jornal Folha da Manhã, na coluna “Mundo Musical”.

Na obra, o autor explica como os artigos do pensador paulistano impactaram a comunidade intelectual brasileira da época, chegando a transcender o âmbito da música para incluir comentários sobre estética, ética, ideologia e política.

Coli tem graduação e mestrado em história da arte pela Universidade de Provença – atual Universidade de Aix-Marselha, na França –, doutorado em filosofia pela Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutorado pela Universidade de Nova York. Na entrevista a seguir, o pesquisador fala sobre como surgiu seu interesse pela temática e sobre a importância desses escritos de Mário de Andrade para aquela época e para os dias de hoje.

Jornal da Unicamp – Como surgiu seu interesse por Mário de Andrade e pela relação dele com a música?

Jorge Coli – Surgiu muito cedo, mas foi confortado pelo curso que fiz com a professora Gilda de Mello e Souza, quando estava no segundo ano de filosofia na USP, em 1967, creio. Primeiro, realizei um seminário sobre o padre Jesuíno do Monte Carmelo; depois, recebi uma bolsa de pesquisa em iniciação científica para estudar a obra de Mário de Andrade anterior ao Modernismo. Desde esse momento, uma pessoa que sempre me apoiou e orientou foi a professora Telê Porto Ancona Lopes, a grande especialista em Mário de Andrade: ela e a professora Gilda deram-me muito apoio. Embora tivesse feito história da arte, sempre tive um grande interesse por música. De qualquer modo, a história da arte se insere em uma história da cultura e as compartimentações das disciplinas (história das artes plásticas, da literatura, da música), se são necessárias por suas especificidades, não podem ficar isoladas.

Escolhi como tema para minha tese de estética os últimos textos sobre música escritos por Mário de Andrade para a Folha da Manhã, na coluna “Mundo Musical”. Iniciei minha pesquisa quando dava aulas na Universidade de Toulouse [França] e tanto a professora Telê Porto Ancona Lopes como a professora Flavia Toni enviavam-me o material do Brasil, em uma época na qual, lembro, não havia internet. Devo dizer que minha percepção da obra de Mário de Andrade mudou desde o começo dos anos 1960 – em que eu estava deslumbrado e fascinado, porque é difícil existir um intelectual mais sedutor do que ele – até o período de elaboração da tese, em que me tornei mais crítico, sem perder minha admiração.

JU – Quais contribuições a obra traz para os estudiosos da área?

Jorge Coli – São muitas, mesmo para estudiosos que não são da área. Ressalto o fato de que esse conjunto de escritos sobre compositores célebres – e [à época] mortos, com exceção de Villa-Lobos –, em sua aparente neutralidade musicológica, são críticos. Eles precisavam ser decifrados, tanto no que concerne à sua motivação – motivações que surgiam do debate político – como às questões sociais e artísticas que preocupavam então Mário de Andrade e que eram bem diferentes daquelas de 20 anos antes, quer dizer, do período modernista. Esses textos revelam um intelectual combativo mas também fragilizado. Além de iluminar o pensamento de Mário de Andrade, os textos apontam preocupações musicológicas que interessavam o autor, associadas ao empenho político e social das composições, ao exame do papel da ópera, ou melhor, das relações entre música, texto e teatro, e ao estudo específico de diversos compositores e obras.

JU – Qual a importância desses escritos para a música erudita na época e nos dias de hoje?

Jorge Coli – Para a época, esses estudos traziam um forte apelo político, tinto de nacionalismo, que atacava vigorosamente as vanguardas internacionais e em particular o grupo Música Viva e seu animador, Hans-Joachim Koellreutter. Paradoxalmente, tempos depois da morte de Mário de Andrade, Koellreutter se tornaria seu grande admirador, musicando mesmo o libreto que este escrevera para a ópera O café. Esses estudos encaminharam vários artistas para a aproximação com o movimento comunista internacional e para o engajamento musical. Para hoje, além de serem essenciais no que se refere ao conhecimento do papel de Mário de Andrade na cultura brasileira e das configurações de seu pensamento, trazem chaves para a compreensão de compositores e obras, com visadas originais e fecundas: [Claude] Debussy, [Frédéric] Chopin, [Modest] Mussorgsky, entre outros.

JU – Como foi o processo de seleção e organização dos artigos que integram a obra?

Jorge Coli – A primeira questão foi de como estudar esses artigos no âmbito de uma tese. Se tivessem sido publicados em livro, se fossem conhecidos, bastaria a análise que decifra e interpreta. Mas não eram, e foi preciso incluí-los, portanto. Assinalo que minha tese não é apenas um recolho de textos de Mário de Andrade: é uma interpretação que inclui esses textos. Em seu rodapé, Mário de Andrade publicou um romance-parábola inconcluso, intitulado O banquete, que, em conjunto com o professor Luiz Carlos da Silva Dantas, já havíamos publicado antes e que possuía um caráter autônomo, destoante dos outros. Havia também artigos sobre antropologia, que se situavam em universos diferentes. Descartei esses dois grupos e tratei dos outros, em ordem cronológica.


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