Estudo investiga resiliência e gestão de desastres em Santos
Tese de doutorado mostra a importância de políticas integradas e prevenção eficaz para mitigar riscos ambientais
Felipe Mateus
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Antonio Scarpinetti | Arquivo pessoal
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O Brasil acompanha, estarrecido, os efeitos das grandes inundações que deixaram regiões de Porto Alegre e de cidades do entorno debaixo d’água em maio de 2024. Na busca por conter os danos físicos e humanos das enchentes, o governo do Rio Grande do Sul anunciou, entre outras medidas, a criação do Comitê Científico de Adaptação e Resiliência Climática. Segundo a administração estadual, o grupo deve ter o apoio de acadêmicos e especialistas para nortear as ações de reconstrução do território gaúcho e a instalação de sistemas de proteção contra desastres.
Por definição, o termo resiliência refere-se à capacidade de superar situações adversas. “Anteriormente, o foco da resiliência ambiental estava na preservação de comunidades tradicionais e de ecossistemas. Porém, com o passar do tempo, ela acabou se tornando algo tecnicista, uma métrica para a governança neoliberal”, avalia Talita Gantus de Oliveira, doutora pela Unicamp. Em sua tese defendida no Instituto de Geociências (IG), a pesquisadora desenvolveu um estudo sobre como o planejamento territorial urbano e o olhar para a vulnerabilidade social interferem na gestão de riscos e na resiliência a desastres naturais. Para isso, analisou o trabalho realizado pela Defesa Civil e demais órgãos da administração municipal de Santos, no litoral paulista, cidade reconhecida por propagar os conceitos da prevenção a riscos por toda a gestão.
Para a geóloga, eventos como os ocorridos no Rio Grande do Sul tendem a ser mais frequentes, o que reforça a importância desses estudos. “Nunca estamos fazendo a gestão dos riscos, mas dos desastres”, sintetiza. A tese foi uma das vencedoras da quarta edição do Prêmio de Reconhecimento Acadêmico em Direitos Humanos Unicamp – Instituto Vladimir Herzog (Pradh) e contou com orientação de Jefferson Picanço, professor do IG, e coorientação de Ivana Jalowitzki, professora do Centro Universitário do Instituto de Educação Superior de Brasília (Iesb).
Resiliência e gestão de desastres
O estudo aponta que o conceito de resiliência começou a ser empregado na ecologia nos anos 1970 ainda com foco na preservação como forma de evitar desastres. No entanto, a partir dos anos 1990, a ideia se volta mais à mitigação dos efeitos de desastres que, segundo essa perspectiva, seriam causados apenas por fatores naturais. “Estamos em 2024 e ainda reproduzimos o discurso de que a culpa por um desastre é da chuva ou dos ventos. Desastres não são naturais, mas sim resultado de construções sociais”, adverte Oliveira, que defende a adoção do conceito de “desastres socionaturais”: “O poder público tem a responsabilidade de realizar uma gestão preventiva. Sua omissão e o avanço do capital sobre os territórios urbanos contribuem para o aumento dos desastres”. Segundo os pesquisadores, essa tomada de consciência abre espaço para uma gestão de riscos agregada à preocupação com as condições de vida dos cidadãos, o que também se torna um componente importante da resiliência. “É fundamental reconhecer que a vulnerabilidade a desastres não é um fenômeno natural, mas uma construção social que pode e deve ser mitigada por meio de intervenções adequadas, políticas inclusivas e uma maior consciência sobre a interconexão entre a ação humana e os impactos ambientais”, aponta Jalowitzki.
Com uma população de aproximadamente 420 mil habitantes, Santos é a maior cidade do litoral paulista e a 13ª maior do Estado de São Paulo. As desigualdades presentes no município se refletem na forma como a população ocupa seu território. Boa parte das favelas e comunidades urbanas estão localizadas em morros e encostas da cidade, como o Monte Serrat e os morros do José Menino, Boa Vista e da Penha. Segundo Oliveira, a exposição ao risco associado a desastres cresce à medida que a vulnerabilidade social aumenta.
Entretanto o trabalho desenvolvido pelas autoridades em Santos caracteriza-se por adotar valores identificados pela pesquisadora como uma busca pela resiliência efetiva. A geóloga destaca a integração da Defesa Civil no setor de planejamento de outras secretarias e de outros departamentos, aliando o cuidado com a vulnerabilidade social ao combate a desastres. Isso fez com que o município investisse mais em prevenção, postura que vai na contramão do praticado por outras esferas de governo, que focam mais a resposta aos desastres. Dados do Tribunal de Contas da União (TCU) levantados pela pesquisadora mostram que, entre 2012 e 2023, a cidade investiu R$ 57,4 milhões em prevenção e R$ 15,5 milhões em ações de recuperação após desastres. No mesmo período, o governo federal investiu, em todo o país, R$ 7,8 bilhões em prevenção e quase o dobro do valor, R$ 15,2 bilhões, em recuperação.
Outro destaque da governança santista é a inclusão dos moradores nas ações, ampliando a percepção social dos riscos, o que se reflete na resiliência da população. Junto à comunidade do Monte Serrat, por exemplo, a Secretaria de Meio Ambiente da cidade mapeou soluções para conter o risco de deslizamentos que fossem baseadas na própria natureza do local. “São iniciativas que vão além da resposta aos riscos, pensando o urbanismo como uma forma de prevenção”, lembra a pesquisadora.
Segundo Oliveira, o reconhecimento do seu trabalho de doutorado – obtido por meio do Pradh – é multifacetado. Para a pesquisadora, muitos geólogos ainda veem seu campo de estudo como algo apartado dos fatores sociais. “Esse é um marco simbólico na geologia para podermos entendê-la como instrumento que integra a discussão social”, pontua a geóloga, que também vê na conquista uma oportunidade de aperfeiçoar a formação dos profissionais da área. “Não temos uma base curricular que nos forme para os problemas contemporâneos.”
Os resultados do estudo também vão ao encontro da necessidade de o país estar preparado para os desastres ambientais, que devem se tornar mais frequentes e intensos. “A política de prevenção de riscos deve ser uma política de Estado, não apenas de um governo. São desafios muito grandes que não cabem em ajustes fiscais”, alerta Picanço. Segundo o professor, a pesquisa geológica deve avançar sob uma perspectiva de integração com as demais ciências. “Não faz sentido uma geologia que não olhe para as pessoas.”