Teoria aponta solução para os problemas da geração de imagens tridimensionais
Quem já assistiu a Star Wars sabe que hologramas – a geração de imagens tridimensionais (3D) com projeção de luz – são um meio de comunicação corriqueiro entre os personagens da franquia. Contudo, ao contrário do que acontece no universo cinematográfico, a projeção de cenas 3D realistas continua a ser um desafio para a comunidade científica. A boa notícia é que um grupo de pesquisadores da Unicamp, da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade de Harvard fez dessa fantasia do cinema algo mais próximo da realidade. Em um artigo que acaba de ser publicado no periódico Nature Photonics, os autores apresentaram uma solução para um dos principais problemas da holografia: a percepção de profundidade.
Nos métodos holográficos tradicionais, uma cena 3D é gerada ao se enfileirarem várias cenas bidimensionais em planos paralelos ao projetor. Nesse caso, porém, a noção de profundidade é afetada por dois fenômenos que ocorrem com as ondas: a difração e a interferência. O primeiro é um efeito que altera o padrão transversal da luz ao longo da sua propagação. Isso impacta a luz laser que emana do display holográfico, afetando o tamanho das imagens 2D (bidimensionais) e, consequentemente, a cena 3D que é formada. Já a interferência ocorre quando as imagens bidimensionais – que são formadas por ondas –, projetadas em planos paralelos distintos, interferem umas nas outras. Essa interferência é mais crítica em planos adjacentes, tornando obrigatório um distanciamento mínimo entre esses vizinhos.
Para abordar a questão da profundidade, a equipe das três universidades desenvolveu um novo método holográfico com o uso de um tipo especial de feixe de laser chamado frozen wave (onda congelada), concebido em 2004 por Michel Zamboni Rached, docente da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação resistente aos efeitos da difração e que pode ser bastante concentrado transversalmente, ou seja, ter seu “ponto de luz” em um tamanho muito pequeno. Esses feixes também podem ter seu padrão de intensidade previamente escolhidos ao longo da direção de propagação, o que significa que eles podem ser projetados com uma intensidade maior ou menor em regiões pré-definidas.
Voltando ao exemplo de Star Wars, é mais ou menos isso que acontece com um sabre de luz, em que o campo iluminado da “espada dos Jedi” se concentra em uma região específica e depois desaparece. “No caso das frozen waves, a luz não some porque há conservação de energia, mas essa onda se espalha, diluindo-se posteriormente no espaço. Você consegue, então, produzir coisas muito interessantes, como um padrão de luz que se propaga de forma curva ou estruturar a luz em regiões muito pequenas”, comenta o docente.
Devido a essas características, é possível pensar na frozen wave como um “fio de luz”. Assim, os pesquisadores utilizaram vários desses “fios” para formar arranjos bidimensionais de luz e os usaram para projetar os hologramas. “É como se houvesse um mosaico e cada sequência horizontal de tijolos desse mosaico fosse uma frozen wave. Ao juntar várias dessas frozen waves, você cria um desenho bidimensional no formato de folhas de luz”, explica o professor. “Se você sobrepuser várias dessas folhas, uma em cima da outra, é possível criar um padrão tridimensional de imagem com os efeitos da difração e da interferência mitigados”, acrescenta.
Parceria entre as universidades
A criação desse método holográfico atravessou dois momentos distintos: a simulação e a experimentação. O primeiro envolveu os cálculos matemáticos das malhas de frozen waves para a geração dos hologramas de computador e foi realizado aqui no Brasil pelo professor Rached e pela equipe do professor Leonardo Ambrósio, da Escola de Engenharia da USP em São Carlos. Na segunda etapa, realizada no laboratório de Óptica e Fotônica, sob a liderança do professor Federico Capasso, em Harvard, foram produzidas as cenas 3D. De posse dos cálculos dos brasileiros, o grupo da universidade norte-americana enviou essas informações para um modulador espacial de luz – o equipamento que projeta a imagem quando um feixe de luz atravessa seu display – e realizou as medições dos hologramas gerados.
A ideia de utilizar as frozen waves para criar cenas 3D existe desde a sua teoriza- ção, mas ainda não havia sido executada devido a dificuldades técnicas e estruturais. Em 2012, a geração experimental dos primeiros feixes foi feita nos laboratórios da Universidade Federal do ABC (UFABC), mas a implementação das cenas 3D ainda parecia um desafio muito distante. Nessa primeira etapa, além de Rached, participaram os professores Erasmo Recami e Marcos Gesualdi. Anos depois, Rached e Ambrósio iniciaram uma colaboração para construir arranjos de frozen waves mais complexos – e não apenas em fios – e a ideia da su- perposição surgiu como uma derivação natural desses experimentos.
A partir daí, os pesquisadores brasileiros entraram em contato com a equipe do professor Capasso, propondo o uso do laboratório da Universidade de Harvard para a realização do experimento. Rached ressalta a importância da parceria entre universidades uma vez que processos colaborativos impulsionam pesquisas, viabilizando resultados mais robustos. No caso do projeto sobre imagens 3D, salienta que as universidades brasileiras entraram com a parte teórica e a Universidade de Harvard, com a estrutura laboratorial e a expertise experimental.Rached reforça que todo o desdobramento científico ocorrido a partir da teoria só foi possível devido aos aportes financeiros como o da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e de parcerias entre diferentes instituições de pesquisa, além da existência de um ambiente de trabalho adequado e do apoio de colegas que acreditam em ideias inovadoras.
Apesar de ter sido utilizada para modelar um campo 3D, essa aplicação das frozen waves foi somente uma prova de conceito da possibilidade de criar campos estruturados tridimensionais no formato desejado. A perspectiva é que a tecnologia seja utilizada em áreas que dependem do controle e direcionamento da intensidade da luz, como microscopia de fluorescência e optogenética, campoque estuda circuitos neurais usando a luz para “ativar” e “desativar” neurônios.