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Estudo demonstra que relação entre bolsonarismo e mídias sociais favoreceu o discurso antidemocrático e enriqueceu plataformas e influenciadores

Jair Bolsonaro durante live em agosto de 2019: pesquisador detalhou o funcionamento do ecossistema político-tecnológico do ex-presidente
Jair Bolsonaro durante live em agosto de 2019: pesquisador detalhou o funcionamento do ecossistema político-tecnológico do ex-presidente

O bolsonarismo estabeleceu com as mídias sociais uma relação bilateral e lucrativa, que favoreceu a disseminação do seu discurso, pavimentou o terreno para a absorção de sua visão de mundo e contribuiu para o surgimento de novos militantes de extrema direita. A constatação é do cientista político Luis Guillermo Velásquez Pérez, que, recentemente, defendeu a dissertação “Tecnologia e Política: O Comportamento das Redes Sociais Virtuais na Disseminação do Bolsonarismo no Brasil durante 2022”, resultado de sua pesquisa de mestrado sobre política científica e tecnológica.

Desenvolvido no Instituto de Geociências (IG) da Unicamp e orientado pelo professor Rafael Dias, da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Universidade, o estudo revela a consistência do discurso bolsonarista em 2022 nas redes sociais, quando a polarização contra o Partido dos Trabalhadores (PT) deu lugar a um intenso questionamento a respeito das bases da democracia brasileira. O projeto contou com o financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Velásquez analisou 300 conteúdos publicados por 35 perfis bolsonaristas no Facebook, Instagram, TikTok, YouTube e Twitter, de janeiro a outubro de 2022. A lista de contas acompanhadas reuniu perfis de parentes e usuários que o próprio presidente Jair Messias Bolsonaro havia recomendado no Twitter, além de usuários identificados por monitores digitais, por pesquisadores e pelo aplicativo Fanpage Karma. No total, foram escolhidas oito categorias de perfis: político; comentarista político; influencer; liderança neopentecostal; mídia alternativa; mídia digital; reframe mídia conservadora (veículos que propagam uma versão enviesada de conteúdos noticiosos); e página apócrifa (categoria em que entram os bots, ou robôs).

Para que a proximidade temporal não comprometesse seu trabalho, o agora mestre utilizou o Fanpage Karma tanto para selecionar parte dos perfis e as publicações a serem estudadas como para acompanhar as movimentações e a viralização das postagens. O aplicativo ajudou, ainda, na seleção das métricas mais relevantes de cada rede social analisada. A primeira triagem realizada separou 288.946 publicações. Dessas, a ferramenta destacou as 300 mais relevantes, de acordo com as métricas escolhidas por Velásquez.

O material foi submetido a uma revisão crítica de texto, imagem e vídeo, o que permitiu ao pesquisador encontrar, qualificar, interpretar e separar 29 tópicos bolsonaristas, dentre as quais ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE); pesquisas eleitorais e urnas eletrônicas; nacionalismo; fundamentalismo e conservadorismo; rejeição ao globalismo; erosão democrática; neopentecostalização da política; negacionismo; e discurso de ódio.

A partir das análises quantitativa e qualitativa do material coletado, foi possível detalhar o funcionamento do ecossistema político-tecnológico bolsonarista, desenvolvido com base nos algoritmos de cada rede. Os objetivos desse sistema, segundo o pesquisador, eram propagar o ideário bolsonarista em meio à desordem informativa; apoiar e defender seu governo; e fomentar o negacionismo científico. Para tanto, os algoritmos de cada mídia espalhavam o conteúdo de acordo com a própria lógica de difusão.

Nesse ambiente híbrido, o pesquisador observou que mensagens curtas de teor polêmico ou controverso ganharam espaço por instigarem o usuário a comentar, curtir ou compartilhar mais vezes, permanecendo, portanto, mais tempo com a publicação. Uma vez que o faturamento das mídias sociais estava atrelado ao tempo de exposição, ao alcance, às ações ou às interações, seus algoritmos eram programados para detectar publicações com aquelas características e garantir que aparecessem para o maior número de pessoas possível.

“Uma das coisas mais interessantes da pesquisa foi constatar tratar-se de um modelo de negócio misturado com motivações políticas específicas. Alguns dos usuários acompanhados recebiam informação privilegiada do Planalto e a publicavam. Por se tratar de uma informação inédita, noticiosa e recente, isso gerava muito engajamento e viralização e, por fim, dinheiro pago pelas plataformas de mídias sociais”, resume.

O estudo mostra, ainda, que as especificidades dos algoritmos de cada rede determinaram seu papel no ecossistema bolsonarista. A partir de sua investigação, Velásquez constatou, por exemplo, que o Facebook e o Instagram foram utilizados como “campos de batalha” para angariar novos militantes. “Por meio da mineração de conteúdos e da inteligência artificial, essas plataformas são capazes de detectar os conteúdos que vão gerar mais cliques, engajamento e compartilhamento, o que é a base de seu modelo de negócios. Sabendo disso, os perfis espalharam conteúdos polêmicos, para engajar. Na tríade publicação-curtida-compartilhamento, residiu a formação dos públicos bolsonaristas”, complementa.

Diferente papel teve o TikTok, apontado por Velásquez como o preferido para a disseminação do discurso da nova extrema direita e para conferir naturalidade à visão de mundo bolsonarista. Isso porque seus algoritmos, no período pesquisado, promoviam o compartilhamento massivo de vídeos curtos e a oferta de conteúdos de mesmo teor para “prender” o usuário. “Mesmo que a pessoa ficasse pouco na plataforma, na sua tela iriam aparecer muitos vídeos sobre um mesmo assunto em um curto espaço de tempo. Para quem está assistindo, quanto mais se fala sobre determinado tema, maior é a sensação de que aquilo é verdade”, analisa. Velásquez conclui que o papel dos vídeos no ecossistema foi preponderante em relação a todas as outras mídias – incluindo texto, foto e arte –, sendo a principal influência para a relevância das publicações.

Atravessando fronteiras

Nascido na Guatemala, o pesquisador vislumbrou na campanha eleitoral de 2022 para a presidência do Brasil a oportunidade de investigar os mecanismos que permitiam às plataformas digitais criarem ecossistemas mais propícios para a disseminação de ideias da nova extrema direita, em comparação com outros tipos de discurso. A partir de sua pesquisa, Velásquez constatou que as empresas de tecnologia estruturam seus negócios com base na propagação de mentiras.

“Estou convencido de que as mídias podem gerar muito lucro com outro modelo. O que fazem os influenciadores é apenas um exemplo. Só é preciso ter protocolos mais definidos, além de sanções como multas”, sugere. Sua expectativa é poder contribuir para o pensamento de políticas de regulamentação e conformação das redes.

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