Imunossensor detecta presença de bactérias em mão humana
Unicamp e centro de pesquisa de Campinas criam dispositivo para detectar a presença do Staphylococcus aureus na pele
Paula Penedo
Texto
Antonio Scarpinetti
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Pesquisadores da Unicamp e do Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer (CTI) desenvolveram um imunossensor eletroquímico capaz de detectar a presença da bactéria Staphylococcus aureus na pele da mão humana. A tecnologia foi criada no doutorado do cientista da computação Henri Alves de Godoy, realizado na Faculdade de Tecnologia (FT) de Limeira, com resultados publicados no periódico ACS Infectious Diseases, da Sociedade Americana de Química. O objetivo do dispositivo é contribuir para a redução de casos de infecção em ambientes hospitalares que, segundo dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), são responsáveis por mais de 45 mil mortes de brasileiros todos os anos.
O aparelho consiste em uma pequena plataforma feita de nanobastões de óxido de zinco – composto químico amplamente utilizado em imunossensores devido à sua biossensibilidade – e impregnada com um anticorpo contra o Staphylococcus aureus. Esse tipo de biossensor vem ganhando bastante espaço na medicina. Um exemplo muito conhecido é o glicosímetro, que mede os níveis de glicose no sangue de forma rápida e precisa. No caso do imunossensor desenvolvido por Godoy, aplica-se uma amostra líquida da bactéria, ou um swab – cotonete estéril – previamente friccionado na mão do profissional, na extremidade da plataforma. Os resultados são apresentados por meio de gráficos em um aplicativo de celular.
O imunossensor tem potencial de aplicação que vai desde a monitorização de superfícies e dispositivos hospitalares até dar suporte a programas de educação de profissionais da saúde quanto à forma correta de higienizar as mãos. “Uma possibilidade seria, no futuro, distribuir totens com esses equipamentos nos hospitais, da mesma forma com que foi disponibilizado álcool em gel durante a pandemia. Dessa forma, seriam apresentadas informações ao usuário de maneira mais amigável, como uma luz vermelha ou verde, para que o profissional possa verificar a presença das bactérias com mais facilidade e rapidez”, exemplifica o pesquisador.
O desenvolvimento de um dispositivo prático para a detecção de Staphylococcus aureus no ambiente hospitalar foi proposto pelo nefrologista Rodrigo Bueno de Oliveira, docente da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. Em sua prática profissional, o médico observou uma frequência alta de infecções causadas por essas bactérias devido ao emprego de cateteres utilizados como via de acesso vascular em sessões de hemodiálise. Com isso em mente, Oliveira entrou em contato com o engenheiro eletricista Rangel Arthur, docente da FT e orientador de Godoy, propondo a elaboração de uma tecnologia que reunisse conhecimentos de engenharia, química e informática.
Os experimentos realizados em laboratório confirmaram a sensibilidade do dispositivo para a detecção de uma faixa que vai de mil bactérias por mililitro – nível considerado normal – até 100 milhões de bactérias por mililitro, em um tempo de até 30 minutos. Embora ainda demande um período de espera, esse é um avanço em relação aos métodos tradicionais de detecção de bactérias, que demoram entre 24 horas e 7 dias para apresentar o resultado da cultura celular. Oliveira explica que o aparelho continua em fase de protótipo e que a ideia é aprimorá-lo para apresentar resultados em menos tempo e com uma faixa de aplicações maior.
“Além da análise de mãos, poderiam ser feitas avaliações de instrumentais cirúrgicos ou de medidas de assepsia de uma equipe de saúde”, comenta Oliveira. “A tecnologia ainda pode ser adaptada para outras bactérias que também causam infecções hospitalares, como as gram negativas, que são um grande problema na medicina atual. Por exemplo, ao se conhecer a epidemiologia de um centro hospitalar, seria possível adaptar o dispositivo para detectar as principais bactérias que causam infecções naquele local”, afirma o professor.
Perspectivas futuras
Apesar de fazer parte da microbiota natural da pele, o Staphylococcus aureus é uma das centenas de bactérias causadoras de infecções hospitalares devido ao seu perfil de resistência a antibióticos. Diante de um paciente fragilizado e com as barreiras de defesa enfraquecidas, cria-se um cenário perfeito para a contaminação, especialmente porque o patógeno pode sobreviver por várias horas na pele humana. Dessa forma, basta a pessoa encostar em uma superfície contaminada para se tornar um vetor da transmissão.
Mesmo com esse risco, os autores ainda não haviam encontrado na literatura científica um dispositivo que utilizasse nanobastões de óxido de zinco para a detecção rápida do Staphylococcus aureus nas mãos humanas, o que torna essa uma tecnologia inédita na área. A química Talita Mazon, que atua como tecnologista sênior do CTI, explica que existiam trabalhos de detecção de bactérias em alimentos e na água, mas as mãos eram negligenciadas nas pesquisas apesar de muitas pessoas não as higienizarem corretamente.
Foi Mazon quem sugeriu o desenvolvimento do dispositivo por meio de um imunossensor eletroquímico. No CTI, a cientista já havia trabalhado com esses biossensores para a detecção de vírus zika, câncer e doenças neurológicas, o que a levou a cogitar a possibilidade de fazer o mesmo com as bactérias. Nos desenvolvimentos iniciais, os pesquisadores empregaram uma tecnologia para produção da base sensora desenvolvida no próprio CTI. No entanto, durante a pandemia, essa base precisou ser substituída por uma importada, porque não havia, no Brasil, mão de obra disponível, devido às dificuldades impostas pelo distanciamento físico.
“Esse foi um desafio que não estávamos esperando, porque a base sensora importada apresenta pequenas variações de corrente eletroquímica que dificultavam a reprodutibilidade das análises”, lamenta. “Além disso, cada base sensora importada custa cerca de R$ 50. Mas, se mandarmos produzi-las em qualquer empresa nacional de placas de circuito impresso usando nossa tecnologia, essas bases podem custar entre 30 e 50 centavos. Agora, estamos em contato com alguns fornecedores nacionais para voltarmos a fabricar as bases sensoras utilizando a tecnologia de placas de circuito impresso em larga escala”, revela Mazon.
O próximo passo para o aprimoramento do dispositivo consiste em torná-lo mais amigável para o usuário − uma vez que os gráficos gerados não são legíveis para o público leigo − e em testar sua reprodutibilidade. Além disso, ainda é preciso validar o conceito em um ambiente hospitalar, o que não foi possível até agora porque o sensor é de uso único, sendo necessária sua produção em larga escala. “O importante é a busca de parceiros. Agora é o momento de entender qual seria o interesse de empresas em investir na área para pensarmos não só em testes hospitalares da tecnologia, mas também em ampliar o número de bactérias que poderíamos detectar”, conclui Arthur.