Materiais unidos pelo benefício
Combinação de madeira engenheirada com concreto gera lajes mais sustentáveis e acessíveis
Marina Gama
Texto
Antonio Scarpinetti | Ramon Vilela Bergamin/Reprodução
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O alto custo envolvido na obtenção da casa própria ainda é um desafio para boa parte dos brasileiros. Contudo, é possível que o uso combinado de madeira e concreto em pisos seja um caminho para tornar esse sonho acessível. Uma tese de doutorado defendida por Ramon Vilela Bergamin na Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (Fecfau) da Unicamp investigou métodos para combinar os dois materiais com diferentes tipos de conectores mecânicos, na busca por lajes com rigidez e resistência adequadas para a aplicação com segurança em edifícios.
A pesquisa foi realizada sob a orientação do professor Nilson Tadeu Mascia, do Departamento de Estruturas da Fecfau, e explorou a união de madeira engenheirada – placas de madeira laminada cruzada (CLT, na sigla em inglês) – com concreto a partir da realização de estudos sobre métodos mais eficazes para juntá-los, mantendo o bom aproveitamento das características de cada material. Um dos aspectos fundamentais do estudo consistiu no desenvolvimento de conectores mecânicos adequados para unir a madeira e o concreto. Ainda que esse tipo de material já exista em países europeus, a pesquisa de Bergamin conduziu testes para encontrar a melhor forma de produzir uma versão brasileira resistente e com um custo competitivo.
As placas podem, de acordo com os ensaios, suportar até 24 toneladas em um vão de aproximadamente quatro metros. Além das vantagens estruturais, o novo método de construção também traz benefícios em termos de redução de valores e eficiência da mão de obra. Segundo o engenheiro civil, com essa técnica, grande parte do trabalho pode ser realizado em ambiente controlado dentro das fábricas, diminuindo o tempo gasto no canteiro de obras e tornando o processo de construção mais ágil e salubre. “Em uma alvenaria convencional, tenho que colocar tijolo por tijolo, escorar a estrutura, colocar uma abertura e tudo mais. A partir da nossa proposta, monto essa parede inteira em alguns minutos. Isso também tem a ver com a agilidade na montagem”, explica.
Bergamin acredita que, no curto prazo, sua pesquisa possibilita a redução dos custos de construção e permite a um número maior de pessoas ter seu próprio imóvel. “Grande parte das estruturas de madeira engenheiradas do país é usada em casas de alto padrão. A ideia, com essa pesquisa, é construir edifícios a partir desse método, conseguir baixar a régua [do custo] e tornar a empreitada mais acessível ao público médio.” E as perspectivas são otimistas, de acordo com o pesquisador. Em agosto está previsto o lançamento de um edifício na cidade de Suzano que utiliza a solução de lajes em CLT com concreto resultante da pesquisa de Bergamin.
Tração e compressão
Bergamin explica que a madeira possui alta resistência à tração, enquanto o concreto é mais resistente à compressão. Ao combinar esses materiais, foi possível criar uma composição que aproveita o melhor de ambos, resultando em uma rigidez superior à da madeira isolada e um custo-benefício melhor que o envolvido na utilização exclusiva do concreto. “Se eu tracionar a madeira, o comportamento será muito bom, pois a madeira tem uma resistência muito alta. Por outro lado, o concreto não tem uma resistência tão grande à tração, mas a possui em relação à compressão. Então, criamos uma composição em que o concreto trabalhará em um regime no qual será, praticamente, só comprimido. E a madeira atuará majoritariamente em situações nas quais será tracionada”, explica o pesquisador.
Bergamin destaca, em sua tese de doutorado, o potencial sustentável da utilização da madeira e do método proposto, especialmente quando esse material é proveniente de reflorestamento e leva em consideração questões ambientais. “Ao ser usada em associação com o concreto, a quantidade de madeira utilizada é suficientemente maior do que a de concreto a ponto de o volume de CO emitido na produção do concreto equivaler ao volume sequestrado durante o crescimento da madeira. Então, é possível termos edifícios com emissão zero de carbono ou até mesmo com emissão negativa.”
Mascia explica como outros materiais usados no processo de elaboração desses painéis, como os adesivos de conexão da madeira com o concreto, ainda geram um impacto ambiental considerável e são atualmente objeto de pesquisas realizadas na Escola de Engenharia de São Carlos (Eesc) da Universidade de São Paulo (USP). Esses estudos visam criar alternativas que tornem o material “mais verde”. Falta, segundo o orientador, encontrar uma forma de torná-lo economicamente viável.
Parcerias
O estudo que resultou no doutorado de Bergamin só se tornou viável após uma parceria firmada por Mascia com uma empresa de painéis de madeira da cidade de Suzano (SP). O pontapé para essa aliança, conta o docente, aconteceu após uma palestra dada pelo fundador da empresa para estudantes da Unicamp. Sabendo do interesse de Bergamin, o docente propôs uma bolsa para que o então aluno de mestrado seguisse pesquisando o uso da madeira na construção civil. A empresa aceitou oferecer os materiais e o espaço para a realização de testes.
“Foram os maiores ensaios que já fizemos com estruturas de madeira, ou madeira-concreto, ou de uma composição, na história da faculdade. Nunca tive ensaios tão grandes, também porque não conhecíamos empresas que atuassem no mercado e que precisassem disso, que tivessem essa conexão com a pesquisa”, afirma Mascia.
O trabalho com a madeira iniciou-se no mestrado de Bergamin, seguiu para o doutorado e rendeu frutos para outros estudantes, que têm dedicado suas pesquisas a esse campo de estudo. Segundo Mascia, além do doutorado agora concluído, os estudos na área contam com três mestrados finalizados, uma iniciação científica e três pesquisas de mestrado em andamento.