Astrônoma, geóloga planetária, vulcanóloga e comunicadora científica, a carioca Rosaly Lopes trabalha há mais de três décadas na National Aeronautics and Space Administration (Nasa) buscando conhecer mais sobre o universo e produzindo ciência de alto impacto a partir das missões espaciais da agência estadunidense. Vice-diretora da Diretoria de Ciências Planetárias do Jet Propulsion Laboratory (JPL), Lopes inicia em maio uma temporada como cientista residente do Instituto de Estudos Avançados (IdEA) da Unicamp.
A residência de seis meses contemplará palestras presenciais, oficinas virtuais e reuniões com pesquisadores. A abertura da programação ocorrerá no dia 10 de maio, às 14h, no Centro de Convenções da Unicamp, com a palestra “Geologia planetária: Saturno e suas luas”. No evento inaugural, que também terá transmissão pelo YouTube, a vice-diretora do JPL abordará temas relacionados às suas pesquisas em geologia planetária, vulcanologia e astrobiologia, como os trabalhos na missão Cassini-Huygens, que explorou Saturno, e o estudo da geologia da lua Titã. Como toda a programação, o evento é aberto ao público interessado em ciência, astronomia e exploração espacial, não apenas a especialistas e pesquisadores da área.
Nos dias 14 e 28 de junho, Lopes oferecerá sua primeira oficina, a ser realizada em dois encontros, intitulada “Vulcões e luas geladas: A viagem de uma cientista do Brasil às Missões Galileu e Cassini da NASA”. Uma segunda oficina, “Explorando os vulcões ativos da Terra e do sistema solar”, acontecerá nos dias 23 de agosto e 20 de setembro. Todas serão realizadas das 14h às 16h, por meio da plataforma de vídeo Google Meet. A programação no IdEA será concluída em 22 de novembro, às 14h, no Centro de Convenções da Unicamp, com a palestra “Presente e Futuro da Exploração dos Planetas: Missões Espaciais e seus Desafios”, em que Lopes abordará as missões atualmente em operação, as que devem ser lançadas em curto prazo e quais questões buscam responder. A palestra também será transmitida online.
Nascida e criada em Ipanema, no Rio de Janeiro, Rosaly Lopes ingressou em 1975 no curso de Astronomia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mas, após seis meses, foi aprovada na University College London, cujo curso tinha duração de três anos. No fim da graduação, encantou-se pela geologia planetária, área em que também se doutorou. Concluído o doutorado, foi contratada pelo Observatório de Greenwich, mas em uma função de caráter educacional e museológico que não condizia com o que esperava para sua carreira a longo prazo. Depois de ser aceita para um pós-doutorado no JPL, com duração de dois anos, foi contratada, em 1991, para trabalhar neste laboratório da NASA na missão Galileu.
O programa espacial estadunidense Apollo foi um dos grandes atrativos para aquela adolescente carioca se interessar pelas ciências planetárias, principalmente quando viu, em uma reportagem do Jornal do Brasil de 1970, que a equipe contava com uma mulher na sala de comando. A matemática Frances “Poppy” Northcutt, responsável pelos cálculos de trajetórias das naves, foi uma inspiração primordial que mostrou a possibilidade de mulheres também desempenharem papéis importantes nas pesquisas de ciência planetária e em missões espaciais.
Quase meio século depois, em 2019, por meio do consulado brasileiro em Houston, no Texas, Lopes conseguiu entrar em contato com Northcutt, que há muito havia se tornado advogada e agora atuava em causas relacionadas aos direitos das mulheres. A reação inicial foi de surpresa, já que ela nunca havia sequer visitado o Brasil. “Fizemos contato por telefone, depois nos encontramos várias vezes, e ela ficou muito contente de ter inspirado uma menina no Brasil”, relatou a cientista brasileira.
Mesmo com um longo histórico familiar que estimulava a educação de mulheres, Lopes conta que sua mãe temia por seu futuro profissional ao escolher a astronomia como carreira. Para a mãe, o fato de ela ter aprendido desde cedo inglês e, depois, francês, somado à formação em um curso de datilografia, ofereceria a Rosaly uma segunda alternativa como secretária executiva, o que garantiria seu sustento. Para a estudante, no entanto, se nada desse certo, o plano B seria tornar-se aeromoça, pois sempre gostou de viajar.
“O que eu queria era trabalhar na Nasa, então, tive algumas ofertas para carreiras acadêmicas, mas isto nunca me entusiasmou tanto quanto trabalhar nas missões e nos preparos delas”. Ainda durante seu pós-doutorado no JPL, como especialista em vulcões, ela começou a se envolver com o time responsável pela Galileu e, na sequência, foi contratada. Lopes considera que teve sorte ao fazer parte, de imediato, da Galileu, que, na época, buscava uma pessoa para planejar com o instrumento infravermelho as observações de Io, uma lua vulcânica de Júpiter.
Em 1989, a missão Galileu foi lançada em direção a Júpiter, mas a antena principal de comunicações não abriu, e as equipes tiveram que replanejar os trabalhos, pois haveria menos observações usando uma antena secundária. Lopes fez isso com o sensor imageador Near-Infrared Mapping Spectrometer, que pode detectar calor de atividade vulcânica, e encontrou 71 vulcões ativos em Io. A pesquisa rendeu a Lopes um recorde mundial, registrado no Guiness Book em 2006, como a pessoa que descobriu o maior número de vulcões ativos do universo.
“Io é muito interessante, porque é do tamanho da nossa Lua e já deveria ter esfriado há muito tempo, como a nossa Lua, cujas erupções foram esfriando há bilhões de anos. Mas Io está em uma órbita muito especial, puxada por um lado pela gravidade de Júpiter e, por outro, pelas luas Europa e Ganimedes. Isso causa uma fricção e faz com que seu interior seja aquecido, por isso ela ainda tem vulcões”. A vulcanóloga explica que esse foi o primeiro exemplo conhecido de “tidal heating”, uma espécie de aquecimento por meio do movimento de marés de corpos líquidos subterrâneos. Atualmente, a ciência sabe que há outras luas sendo submetidas a esse processo, o que as tornaria potencialmente habitáveis, já que é preciso calor para manter água no estado líquido.
Desde a disciplina de geologia na universidade, Lopes se interessou por vulcões, especialmente quando um professor foi convocado para uma pesquisa de campo no Etna, na Itália. “Sempre tive uma paixão por aventura e achei isso muito interessante”. Depois da Galileu, a segunda missão de que participou foi a Cassini, lançada para orbitar Saturno, estudando seus anéis, luas e campo magnético, além de levar a sonda Huygens, que pousou na lua Titã. Essa grande missão foi resultado de uma colaboração entre a Nasa e a Agência Espacial Europeia.
“Titã é um dos lugares do Sistema Solar onde talvez vida tenha se desenvolvido, pois há muito material orgânico nessa lua, como hidrocarbonetos, inclusive, lagos e mares de metano e etano líquidos. Achamos que Titã teve vulcanismo no passado, pois ela tem uma crosta de gelo coberta por materiais orgânicos, e sob essa crosta há um oceano de água líquida”. Segundo a cientista, a existência de calor no interior desse satélite natural mantém esses corpos na forma líquida, e a possibilidade de contato desse material orgânico da superfície com o oceano poderia criar condições de surgimento de seres vivos. Esse contato poderia acontecer, por exemplo, se houvesse um impacto de um asteroide suficientemente grande para romper a camada de gelo, cuja espessura é estimada entre 70 km e 100 km.
Um projeto desenvolvido por Lopes no JPL sobre a possibilidade de existência de condições de vida em Titã contou com a participação do geólogo Alvaro Penteado Crósta, professor do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp. Especialista no estudo de crateras de impacto, o docente, durante um semestre, estabeleceu parâmetros para a realização de simulações numéricas do processo de formação da cratera Mernva, a maior de Titã, com 425 km de diâmetro. A residência científica permitirá a Crósta e a Lopes trabalharem em outra publicação científica sobre suas pesquisas conjuntas na Nasa.
Entre 2012 e 2016, a cientista da Nasa também teve interação no Brasil com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), por meio do Programa Ciências Sem Fronteiras. Na ocasião, recebeu uma doutoranda brasileira nos Estados Unidos e promoveu atividades de curta duração, como um workshop, no INPE. “Sempre tive mais interações com escolas, com pessoas querendo fazer divulgação e jornalistas, do que com acadêmicos, porque, no Brasil, não há muita geologia planetária, que é minha especialidade. Estou tendo mais contato com a academia desde que o professor Alvaro Crósta veio estudar a temática das crateras de impacto, que é muito próxima da minha área”.
A partir desse trabalho na Cassini-Huygens, a cientista brasileira começou a se envolver com o tema da astrobiologia de uma maneira mais intensa, liderando o projeto sobre Titã. Nas mais de três décadas em que atua na Nasa, Lopes já teve experiências em diferentes missões, em que novos desafios traziam a necessidade de envolvimento com áreas que lhe eram pouco familiares. No entanto, o que, para muitos, poderia ser uma barreira, para ela, tornou-se uma motivação para aprender e ampliar sua gama de pesquisa.
“Nas universidades, existe a tendência a se especializar em uma área muito focada. Aqui, na Nasa, somos especialistas em nossos campos, é claro, mas temos projetos que envolvem propostas para instrumentos ou para missões. Gosto muito da possibilidade de mergulhar no fundo, como se diz aqui, e aprender, ainda que não se saiba muito sobre uma área”.
Logo que foi contratada pela Nasa, a especialista em geologia planetária atuou com análise de imagens dos vulcões de Marte e em trabalho de campo nos vulcões da Terra. Como naquele momento não havia missões planejadas para ir a Marte, Lopes entrou na equipe da missão Galileu para estudar Io. Ao fim da Galileu, atuou na Cassini para compreender as características do vulcanismo de Titã com a equipe do sensor imageador por radar, que observou a superfície da lua por baixo de sua espessa atmosfera. Agora, a astrobiologia está no centro de seus trabalhos dentro da Diretoria de Ciências Planetárias do JPL, cuja equipe é composta por cerca de 6 mil pessoas.
Entre os vários prêmios e homenagens que Lopes coleciona, está a Medalha Carl Sagan de excelência em comunicação científica para o público, concedida em 2005 pela American Astronomical Society. Antes mesmo de entrar na NASA, a cientista brasileira se interessou por trabalhar com comunicação científica, dar palestras e escrever livros para pesquisadores ou para audiências não-especializadas. Sagan, que ela chegou a conhecer pessoalmente na missão Galileu, foi um pioneiro ao se dedicar à comunicação em uma época em que a comunidade científica não considerava esta uma atividade importante.
“Sempre gostei de escrever, desde pequena tive jeito, e isso foi muito bom no meu trabalho, porque cientista precisa publicar. Mas os livros foram um hobby, que comecei quando ainda estava na Inglaterra”, lembra Rosaly Lopes, referindo-se ao guia “Turismo de Aventura em Vulcões” (Editora Oficina de Textos, 2008), originalmente publicado em inglês, em 2005, pela Cambridge University Press. Entre os 10 livros que já publicou, sobre vulcanologia e pesquisas em ciências planetárias, alguns são destinados a especialistas, outros a universitários, pós-graduandos e até estudantes secundaristas. Atualmente, prepara uma obra sobre a lua Titã, que deve ser lançada em 2024.
O interesse e a disponibilidade para escrever e falar sobre ciência com públicos diversos levou Lopes a audiências mais amplas do que as que estariam acessíveis por meio de sua produção científica, como pesquisadores leitores de periódicos de alto impacto, onde veicula os resultados de suas pesquisas na NASA. Um exemplo é que ela será tema da próxima edição da revista ilustrada “Dona Ciência”, uma coleção criada em 2016 para aproximar a temática científica do público infanto-juvenil. Idealizada pela biomédica Monica Andersen, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), e apoiada pela Associação Fundo de Incentivo à Pesquisa (AFIP), a “Dona Ciência” cresceu e está produzindo conteúdo também em vídeo para as novas gerações.
“Procuro sempre ajudar o desenvolvimento das ciências e o interesse do público escolar em ciência e tecnologia”, explica Lopes. “Tenho muitos estudantes me seguindo nas redes sociais e acho muito importante encorajar as pessoas jovens a seguirem carreira em ciências e tecnologia”.
Questionada sobre a importância da exploração espacial em meio a tantas questões urgentes no planeta Terra, como a crise climática, o aquecimento global e a destruição do meio ambiente, Rosaly Lopes vê as missões espaciais como um investimento no futuro da humanidade, que abre possibilidades de desenvolvimento pela criação de inovações tecnológicas.
“Toda sociedade tem que investir no passado, no presente e no futuro. No passado, preservando obras de arte e arquitetura; no presente, as crises são as prioridades; mas, no futuro, você tem que permitir ao cientista uma certa criatividade, e tecnologias que você desenvolve para o programa espacial podem ser muito benéficas”, defende a astrônoma. “Por exemplo, a tecnologia do telefone celular veio do programa espacial e abriu o mundo para muita gente. Ao investir no futuro, muitas vezes não se sabe o que essa tecnologia do futuro trará. Muita coisa vem do programa espacial. Não devemos ser míopes no nosso investimento, temos que investir numa variedade de programas”.
Apesar de tanto sucesso na carreira profissional, Lopes revela a frustração de não ter conseguido se tornar astronauta, em parte por não ter cidadania estadunidense — que ela recebeu posteriormente em sua vida —, em parte por ser míope e, em parte, por já ter ultrapassado a faixa etária adequada quando decidiu se candidatar. Mesmo assim, ela espera poder realizar o sonho de participar de uma viagem espacial em um voo comercial. “Agora, é só questão de ter dinheiro. Se você tem dinheiro, pode ir para um dos programas comerciais”.
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