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Bruno Geloneze, coorientador da pesquisa, durante exame de medição da circunferência do pescoço: acompanhamento de fatores de risco
Bruno Geloneze, coorientador da pesquisa, durante exame de medição da circunferência do pescoço: acompanhamento de fatores de risco

IA ajuda a diagnosticar resistência à insulina

IA ajuda a diagnosticar resistência à insulina

Mineração de dados classifica e determina fatores que podem desencadear síndrome

Bruno Geloneze, coorientador da pesquisa, durante exame de medição da circunferência do pescoço: acompanhamento de fatores de risco
Bruno Geloneze, coorientador da pesquisa, durante exame de medição da circunferência do pescoço: acompanhamento de fatores de risco

Uma tese de doutorado elaborada no Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (Imecc), em uma parceria com o Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades (OCRC, na sigla em inglês), ambos da Unicamp, lançou mão da inteligência artificial (IA) para auxiliar no diagnóstico da resistência à insulina (RI). O estudo pretende disponibilizar um método fácil, ágil e barato para identificar o problema – caracterizado pela ausência ou pelo mau funcionamento da insulina, um hormônio responsável por transportar a glicose do sangue para o interior das células. A doença pode acarretar uma série de problemas graves, entre os quais a diabetes e doenças cardíacas e circulatórias. Os cientistas buscam identificar precocemente a síndrome da resistência à insulina, propondo intervenções antes do aparecimento de complicações.

A RI surge frequentemente associada às chamadas doenças da modernidade. “Glicose [alta], pressão [alta], lípides [gordura acumulada no sangue] e obesidade: esses são os critérios para a síndrome [metabólica ou de resistência à insulina]”, explica Bruno Geloneze, coorientador da pesquisa e professor de endocrinologia e metabologia da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade.

O diagnóstico da resistência à insulina pode ser feito por meio de um teste denominado clamp euglicêmico-hiperinsulinêmico – o Brasil figura entre os poucos países que dispõem da tecnologia, e a Unicamp é a única instituição a realizar esse exame regularmente no país – ou pelo modelo de avaliação da homeostase (conhecido como Homa, na sigla em inglês), um cálculo baseado na dosagem de insulina e glicose. Ambos constituem métodos complexos que exigem exame laboratorial.

Como método alternativo para a identificação do problema, encontram-se as medidas antropométricas. A circunferência do pescoço, por exemplo, destaca-se porque ajuda a medir o aumento da gordura troncular, um marcador de gorduras mal localizadas responsáveis por desencadear a síndrome.

O estudo lançou mão da mineração de dados e do aprendizado de máquina para classificar e determinar pontos de corte de insulina, glicose e medidas corporais que indicam a presença da RI. Para isso, usou como insumo o banco de dados Brazilian Metabolic Syndrome Study (Brams) – obtido no Hospital das Clínicas (HC) da Unicamp e em Unidades Básicas de Saúde (UBS) –, selecionando 2.607 pacientes do Ceará, de Minas Gerais e de São Paulo. A análise foi feita por meio dos algoritmos J48 (árvore de decisão) e Multilayer Perceptron (redes neurais) dentro do software open source WEKA, desenvolvido na Universidade de Waikato (Nova Zelândia).

Leandro Silva Teixeira, autor da tese: experimental, trabalho testou diferentes algoritmos
Leandro Silva Teixeira, autor da tese: experimental, trabalho testou diferentes algoritmos
Leandro Silva Teixeira, autor da tese: experimental, trabalho testou diferentes algoritmos
Leandro Silva Teixeira, autor da tese: experimental, trabalho testou diferentes algoritmos

De acordo com o autor da tese, Leandro Silva Teixeira, trata-se de um trabalho experimental, testando diferentes algoritmos a fim de identificar os modelos mais adequados para o resultado almejado. “Já existem pesquisas que trazem pontos de corte para a circunferência do pescoço, mas usando estatística e outros métodos. A árvore de decisão [resultado final do algoritmo J48] é mais simples para as pessoas entenderem, aproximando a ciência da população em geral. Quando a ciência se elitiza demais, o negacionismo ganha espaço, e isso é também um problema de saúde pública”, afirmou.

A partir dos atributos selecionados – medidas corporais, insulina, glicose, índice de massa corporal (IMC), peso e idade –, a árvore de decisão forma um fluxograma que vai se ramificando em nós de decisão, tendo em suas folhas os resultados finais “sim” (diagnóstico positivo) ou “não” (negativo), permitindo acompanhar as decisões tomadas pelo modelo. As redes neurais funcionam de maneira similar, buscando simular o funcionamento do cérebro humano. A única camada de dados visível, no entanto, é a de saída. “Na verdade, trata-se de um trabalho de classificação. A inteligência artificial consegue ver relações que a gente não consegue ver”, esclarece o orientador da pesquisa e professor do Imecc, Laércio Luís Vendite.

Uma vez treinados, esses algoritmos fazem esse mesmo processo repetidamente, utilizando os padrões previamente aprendidos. “Nós utilizamos a validação cruzada a fim de impedir o algoritmo de decorar ao invés de aprender [um processo chamado overfitting] e a fim de garantir que os modelos sirvam para classificar novos dados que entrarem no banco”, esclarece Teixeira.

O orientador da pesquisa, professor Laércio Luís Vendite: “Técnicas de mineração de dados e de redes neurais aparecem cada vez mais nos estudos médicos”
O orientador da pesquisa, professor Laércio Luís Vendite: “Técnicas de mineração de dados e de redes neurais aparecem cada vez mais nos estudos médicos”
O orientador da pesquisa, professor Laércio Luís Vendite: “Técnicas de mineração de dados e de redes neurais aparecem cada vez mais nos estudos médicos”
O orientador da pesquisa, professor Laércio Luís Vendite: “Técnicas de mineração de dados e de redes neurais aparecem cada vez mais nos estudos médicos”

Resultados

Os resultados tiveram acurácia de cerca de 97% ao diagnosticar a síndrome, com grande relevância dos atributos de insulina e glicose. De modo geral, quando os valores de insulina são maiores do que 13 µU/mL, combinados com valores de glicose maiores do que 79 mg/dL, há indicação da presença da RI. Por outro lado, insulina menor ou igual a nove µU/mL, aliada a glicose menor ou igual a 121 mg/dL, indica ausência dessa resistência. Fora dos casos extremos, o diagnóstico preciso depende da análise de mais fatores. “Esses cortes são muito importantes como instrumento clínico, para um diagnóstico mais inteligente”, defende Vendite.

Focando apenas na medição do pescoço e excluindo os demais atributos, os modelos apresentaram uma acurácia de cerca de 70%, com resultados bons especialmente para os casos de diagnóstico negativo, ou seja, de resultado final “não”. Para os homens, a RI mostrou-se mais comum em pacientes com uma circunferência de pescoço maior que 42 centímetros. Já para as mulheres, a presença da RI revelou-se baixa em pacientes com circunferências menores ou iguais a 36 cm. Entre 36 cm e 39 cm, a predição tendeu para “não”. Acima de 39 cm, a maioria apontou para “sim”. Na prática, isso significa que pessoas com medidas superiores a essas apresentam uma maior probabilidade de desenvolver a síndrome metabólica e devem procurar um médico para uma análise mais apurada. “Se a pessoa estiver se aproximando dos níveis máximos, ela deve tomar cuidado e rever seus hábitos de modo a reverter esse quadro”, disse Teixeira.

Além de disponibilizar um método simples de trabalho para os profissionais da saúde – inclusive com a possibilidade de criar um aplicativo com as medidas de referência e a realização de mutirões de testagem –, o método também permite um acompanhamento individual da parte de cada um a respeito de potenciais fatores de risco, assim como ocorre com o autoexame de mama. “Não é necessária uma balança de peso, apenas a fita métrica, sem muita dificuldade. Isso pode gerar uma economia muito grande e uma maior eficiência para o sistema de saúde, principalmente quando falamos do SUS [Sistema Único de Saúde]”, defende o pesquisador.

Vendite se dedica há mais de 30 anos à biomatemática e afirma que “as técnicas de mineração de dados e de redes neurais aparecem cada vez mais nos estudos médicos porque procuram classificações, algo que a medicina utiliza muito para chegar a diagnósticos”. A parceria entre a FCM e o Imecc já rendeu diversas pesquisas unindo matemática aplicada e áreas como oncologia, nutrição e cardiologia. A tese de Teixeira, porém, inaugura uma nova frente de trabalho, agora na endocrinologia. “Embora seja ‘óbvio’ falar que a insulina e a glicose provocam a síndrome [de resistência à insulina], provar isso matematicamente é outra coisa. O resultado da pesquisa consolida uma evidência médica, e isso é muito importante”, destaca.

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