Conteúdo principal Menu principal Rodapé
Reproductive-Health-Supplies-Coalition-Unsplash-3-B

O direito à escolha

O direito

à escolha

Médica investiga aceitação de método contraceptivo entre adolescentes e mulheres jovens no pós-parto imediato

Dispositivo usado no implante subdérmico de etonogestrel, escolhido pela maioria das participantes do estudo

Médica investiga aceitação de método contraceptivo entre adolescentes e mulheres jovens no pós-parto imediato

Selo-IV-PRADH

A gravidez representa um período de vida intensa para uma mulher, um período marcado por mudanças hormonais e corporais, um período que pode representar a realização da maternidade ou a chegada inesperada ou indesejada de um bebê. Quando ocorre na adolescência ou no início da vida adulta, essa fase traz expectativas, medos e dúvidas ainda maiores, deixando meninas e jovens vulneráveis, especialmente em relação ao planejamento de sua vida reprodutiva.

Saber quando deseja ou mesmo se deseja ter mais filhos nem sempre é algo simples, especialmente durante ou imediatamente após uma gravidez, quando há muitas preocupações a princípio mais urgentes. Porém não pensar nisso pode levar a consequências inesperadas e, em alguns casos, complicadas para a mulher, como uma nova gestação pouco depois de ter dado à luz.

Nesse contexto, a ginecologista Mariane Barbieri, autora de uma tese de doutorado no Programa de Pós-Graduação em Tocoginecologia da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, investigou a aceitação de um método contraceptivo específico, o implante subdérmico de etonogestrel, entre adolescentes e mulheres jovens no pós-parto imediato. O trabalho venceu o Prêmio de Reconhecimento Acadêmico em Direitos Humanos (Pradh) na área de Ciências Biológicas e da Saúde neste ano.

Na pesquisa, cem adolescentes que realizaram seu parto no Hospital da Mulher Prof. Dr. José Aristodemo Pinotti (Caism) e que desejavam utilizar métodos contraceptivos para evitar uma nova gravidez foram acompanhadas durante a gestação e por um ano após o nascimento de seus filhos. Elas receberam atendimento multidisciplinar, além do modelo biomédico tradicional, com foco em temas relacionados à qualidade de vida e saúde em um sentido mais amplo. Foram realizadas rodas de conversa e palestras sobre planejamento reprodutivo e os diferentes métodos contraceptivos disponíveis.

As jovens puderam escolher o método que mais se adequava ao seu contexto de vida, incluindo opções que não são rotineiramente oferecidas no Sistema Único de Saúde (SUS), como o citado implante subdérmico de etonogestrel, o mais aceito entre as participantes.

A pesquisa revelou que 72% das adolescentes optaram pelo implante subdérmico, com 90% delas expressando satisfação com o método após um ano de utilização.

Um outro braço do estudo, iniciado após a pandemia e envolvendo 151 adolescentes e mulheres jovens, com até 24 anos, mostrou uma aceitação do método ainda maior – 76% das integrantes desse grupo escolheram o implante.

Mariane-Massaine-Barbiere_AMP_1950
A ginecologista Mariane Barbieri, autora da tese: 72% das adolescentes optaram pelo implante subdérmico

“Esse método é muito interessante, especialmente para esse grupo vulnerável. A grande vantagem é que ele pode ser usado logo após o parto, permitindo às mulheres saírem do hospital adotando um método de prevenção com pouquíssimos efeitos adversos e que não exige uso diário, como a pílula anticoncepcional, cuja eficácia pode ser comprometida se não for tomada corretamente”, explica Barbieri.

A pesquisadora também destaca que a duração do efeito contraceptivo, de três anos, e a facilidade de inserção – com anestesia local no antebraço, em ambiente ambulatorial, sem necessidade de cirurgia – são fatores que influenciam na escolha do implante pelas jovens.

Estudos anteriores indicam que a incidência de uma nova gravidez em menos de dois anos após o parto entre adolescentes é de 35%. Com a introdução de um método contraceptivo de longa duração ou Larc (long-acting reversible contraceptive) – o implante subdérmico faz parte desse grupo – no pós-parto imediato, essa probabilidade reduziu-se em 88,2% quando comparada com outros métodos. Notou-se também que a gravidez repetida tornou-se menos comum entre as que utilizaram o implante subdérmico logo após o parto do que entre aquelas que adotaram outros métodos.

A professora Fernanda Surita, orientadora da tese, reforça a importância de discutir o planejamento reprodutivo durante o pré-natal, especialmente em um país onde mais da metade das gestações não são planejadas. Na adolescência, o percentual desse tipo de gestação chega a 90% dos casos.

“Falar sobre planejamento reprodutivo durante a gestação é crucial, pois esse período de múltiplas consultas é uma oportunidade para refletir sobre o futuro. O planejamento reprodutivo vai além da contracepção pós-parto. Trata-se de pensar no que a pessoa quer ao longo de sua vida e como os métodos contraceptivos podem apoiar esse plano,” explica a docente.

A professora Fernanda Surita, orientadora da pesquisa: é preciso discutir o planejamento reprodutivo no pré-natal
A professora Fernanda Surita, orientadora da pesquisa: é preciso discutir o planejamento reprodutivo no pré-natal

Pandemia e desafios

A pesquisa sofreu alterações de rumo por conta da pandemia de covid-19, enfrentando desafios logísticos significativos que exigiram adaptações importantes. A alocação dos recursos vindos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) precisou ser revisada devido aos períodos de isolamento social. Embora tenha sido necessário ajustar a forma de monitoramento das e a assistência às participantes, essa readequação possibilitou que um número maior de mulheres fosse beneficiado pelo implante subdérmico.

“Como o plano de acompanhamento presencial por um ano das adolescentes incluídas no estudo antes da pandemia foi prejudicado pelo isolamento social, decidimos usar a verba ampliando a oferta de contracepção para um novo grupo de puérperas, de até 24 anos. A parte inicial da pesquisa nos fez perceber que mulheres um pouco mais velhas, com as mesmas vulnerabilidades, não podiam acessar o método devido à idade. Assim, optamos por redirecionar a verba disponível para adquirir mais contraceptivos e expandir o atendimento”, explica.

O período excepcional em que a pesquisa ocorreu pode ter influenciado a escolha das mulheres. Com restrições de mobilidade e incertezas quanto ao futuro, muitas optaram por métodos contraceptivos de longa duração. “Durante a pandemia, houve muita insegurança, e acredito que isso tenha aumentado a aceitação do implante, já que muitas mulheres não queriam engravidar novamente em um momento tão incerto,” afirmou Barbieri.

Para orientadora e orientanda, o estudo não apenas destacou a efetividade e aceitação do implante hormonal como também sublinhou a necessidade de políticas públicas que garantam o acesso universal a métodos contraceptivos.

“Estamos iniciando um novo projeto a fim de oferecer todos os tipos de contraceptivo para todas as mulheres no período pós-parto, respeitando as indicações e contraindicações de cada método”, revelou Surita, enfatizando a importância de fornecer opções que permitam escolhas informadas, da parte das mulheres, sobre a saúde reprodutiva.

Ir para o topo