Ingressei na carreira docente da Unicamp em 1998, por meio de um concurso para a disciplina de Educação Ambiental a ser oferecida no novo curso de graduação em Tecnologia em Saneamento Ambiental. Mas a história da Educação Ambiental na Unicamp não se inicia e nem termina com a minha experiência.
Dezenas de colegas, de diferentes institutos, faculdades, órgãos da administração, centros e núcleos de pesquisa, ao longo das últimas décadas, têm se preocupado em trazer para a atuação e a formação oferecidas na Unicamp uma discussão sobre a Educação Ambiental e a crise ambiental vivida há décadas (ou séculos) e que atinge — de forma bastante desigual — os diferentes territórios, ecossistemas e grupos sociais que compõem nosso planeta. E um dos aspectos mais interessantes dessas experiências pode estar na questão: a qual área do conhecimento pertencem a Educação Ambiental e as questões ambientais de modo geral?
Nosso colega docente Luiz Marques, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), em uma entrevista, ao ser questionado sobre por que mudara o foco de suas pesquisas da história da arte para o capitalismo e o colapso ambiental, responde muito lucidamente que, na verdade, ele se surpreende que “outras pessoas não tenham se interessado por estas questões”, pois é “algo que concerne a todos nós”!
Poderíamos, portanto, indagar qual área de conhecimento — acadêmico ou não — não guarda relações com a atual crise de (in)sustentabilidade e não pode ou deve ajudar a compreendê-la e a enfrentá-la. Nenhuma!
Nesse caleidoscópio histórico composto por diferentes pessoas que se interessam pelos dois temas — crise socioambiental e Educação Ambiental —, está a Comissão Assessora de Mudança Ecológica e Justiça Ambiental (Cameja), criada pela Diretoria Executiva de Direitos Humanos da Unicamp (DeDH) — fato que, em si, diz muito sobre como a crise que estamos vivendo foi percebida, institucionalmente, pela Unicamp: como uma questão de direitos humanos!
Embora possamos questionar se são só os direitos dos seres humanos que estão em jogo — já que sabemos que os seres não-humanos e a natureza, cujas existências precedem a nossa, também têm direitos —, a iniciativa da Unicamp é inovadora. Com este passo, a Universidade torna indissociáveis as degradações da natureza e de seus ecossistemas e as degradações nas relações sociais que invisibilizam, menosprezam e excluem grande parte dos grupos humanos de seus mais básicos direitos.
Neste aspecto, e adentrando especificamente no campo da educação, é preciso relembrar uma potente fala do educador Paulo Freire, durante a 1ª Jornada Internacional de Educação Ambiental, ocorrida no Fórum Global, evento paralelo à chamada Rio-92: “Faz parte dessa briga, por exemplo, lutar pelo verde, mas estar certo de que, sem o homem e mulher, o verde não tem cor!”
Uma dívida histórica e uma questão disciplinar
Em 2024, comemoramos os 25 anos da Lei Federal 9795/99, que criou e definiu a Política Nacional de Educação Ambiental.
Um dos aspectos mais fundamentais dessa lei é a obrigatoriedade de a Educação Ambiental ser considerada “componente essencial e permanente da educação nacional, (…) como uma prática educativa integrada, contínua e permanente em todos os níveis e modalidades de ensino (…)” (artigos 2° e 10°).
No entanto, uma questão mais desafiadora se apresentou quando, contrariamente a uma visão conservadora e tão difundida de currículo, presente em praticamente todo o sistema de ensino, a lei determinou que “a educação ambiental não deve ser implantada como disciplina específica no currículo de ensino” (art. 10°, §1°). A exceção estaria nas “áreas voltadas aos aspectos metodológicos da educação ambiental”, quando seria “facultada a criação de uma disciplina específica” (art. 10°, §2°).
De modo complementar a esta característica metodológica, a lei determina que “a dimensão ambiental deve constar dos currículos de formação de professores, em todos os níveis e em todas as disciplinas” (art. 11°). Além de todos os “níveis e modalidades de ensino”, portanto, a lei dá atenção a todas as licenciaturas.
Da crise para a emergência
Passaram-se 25 anos! O que era uma “crise” transformou-se em uma série de “emergências”. A concretude das ideias de antropoceno, de emergência ambiental e das emergências climáticas não nos dará outros 25 anos. Nem cinco anos, nem um dia, para agirmos de forma drástica e decisiva!
Em 2023, um relatório da Agência de Refugiados da ONU afirmou que “uma média anual de 21,5 milhões de pessoas foram deslocadas à força por eventos climáticos como inundações, tempestades, incêndios florestais e temperaturas extremas desde 2008”. Em 2016, uma pesquisa publicada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) afirmou que “condições ambientais prejudiciais à saúde são responsáveis pela morte de 12,6 milhões de pessoas por ano”.
Gestão e Educação Ambiental na Cameja
A Cameja se desdobra no enfrentamento dessa crise desde sua criação, quando iniciou um contato periódico, permanente e, por vezes, cotidiano, com seus mais de 40 integrantes, entre docentes, pesquisadores, técnico-administrativos e estudantes de graduação e de pós-graduação. Por mais que a Cameja seja um órgão de uma instituição universitária, ações de gestão ambiental e de educação ambiental, mesmo tendo objetivos, estratégias e tempos diferentes, recebem a mesma importância e atenção.
Por um lado, uma parte de nós está convencida de que este modelo de desenvolvimento, que é responsável por um sistema econômico que determina uma forma hegemônica de produzir, distribuir e consumir as riquezas socialmente produzidas pelo conjunto de seres humanos não tem qualquer possibilidade de ser sustentável.
Este sistema deve ser objeto de pesquisa e de nossos processos educativos no sentido de reconhecermos, valorizarmos e construirmos outras formas de ser e de estar no mundo de modo verdadeiramente sustentável para todas as existências neste planeta. Isto demanda um diálogo horizontal e recursos de muitas ordens, dentre os quais tempo para essa mudança de valores e paradigmas.
Por outro lado, estamos conscientes de que todas as formas de ação, de formação e de intervenção no mundo devem ser colocadas, imediatamente, em prática, para que ninguém mais, em qualquer parte deste planeta, seja prejudicado por um sistema socialmente injusto, ambientalmente desequilibrado e economicamente degradador de territórios e grupos sociais.
Por mais que a Política Nacional de Educação Ambiental desestimule ações disciplinares, por enquanto, é em torno de disciplinas que se consegue abrir espaços educativos nas diferentes formações oferecidas pela Unicamp.
Deste modo, em termos das ações imediatas, no campo da Educação Ambiental, a Cameja tem participado da criação de uma disciplina “piloto” sobre emergência climática na Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) e de um grupo de trabalho instituído pela Comissão Central de Graduação (CCG) para elaborar uma proposta de uma disciplina sobre emergência climática a ser oferecida para todos os graduandos da Unicamp.
A Cameja também tem integrado grupos de trabalho que estão, por exemplo, revendo formas de realizar as compras da universidade, além de organizar eventos e seminários de participar — juntamente com a Diretoria Executiva de Planejamento Integrado (DEPI) e a Escola de Educação Corporativa da Unicamp (Educorp) — da construção das Trilhas de Sustentabilidade, procurando horizontalizar essas discussões para as comunidades interna e externa à Universidade.
Continuamos na busca por espaços de transformação
A partir do que foi exposto acima, apresentam-se alguns desafios principais a todas e a todos que, na Unicamp, preocupam-se com essas questões:
1) Precisamos de uma ampliação do reconhecimento da política institucional socioambiental para todas as atividades de pesquisa, ensino, extensão e administração da universidade;
2) Precisamos tornar a visão da questão socioambiental suficientemente complexa para que todas as áreas de conhecimento se reconheçam como capazes de contribuir com sua interpretação e seu enfrentamento;
3) Precisamos reconhecer e valorizar o conjunto de outros saberes socialmente construídos para dialogar horizontalmente com os conhecimentos científicos de todas nossas áreas;
4) Precisamos, finalmente, de uma radical “ambientalização das nossas formações”, em todos os níveis e modalidades, para que possamos atender às demandas das emergências climáticas e ambientais e à necessária reflexão crítica dos atuais modelos de desenvolvimento, visando à construção de sociedades sustentáveis para todas as formas de existência neste planeta.
Sandro Tonso é professor da Faculdade de Tecnologia (FT) da Unicamp e membro da Comissão Assessora de Mudança Ecológica e Justiça Ambiental (Cameja) da Diretoria Executiva de Direitos Humanos (DeDH)
Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Unicamp.